A formação do Instituto de Química (anos 1970)
Autores: Viktoria Klara Lakatos Osorio
Revisores: Marina Mayumi Yamashita
Editores Associados: Leila Cardoso Teruya
Última atualização: 28/05/2023
Nos anos 1960 a reestruturação da universidade brasileira foi o grande tema de discussão nos ambientes ligados ao ensino superior e floresciam ideias de integração e melhor aproveitamento dos recursos evitando duplicações. A Reforma Universitária veio com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5.540 de 28/11/1968, que fixou normas para a educação superior em todo o país, abolindo as cátedras, implantando o sistema departamental e buscando congregar, em uma única instituição, disciplinas afins, antes dispersas, de modo a evitar a existência de áreas duplicadas, isoladas. Um novo estatuto, elaborado para a Universidade de São Paulo com base nessas diretrizes, foi aprovado pelo decreto no 52.326, assinado em 16/12/1969 pelo governador Roberto Costa de Abreu Sodré, entrando em vigor a partir de 1º de janeiro de 1970. O Departamento, e não mais as Cátedras, que foram extintas, passava a ser a menor unidade administrativa da estrutura universitária. O Departamento compreendia disciplinas afins e a união de Departamentos afins formou as Unidades, que constituem a Universidade. Com a reforma, a USP passou a contar, no campus da capital, com 21 unidades, entre elas o Instituto de Química (IQ).
O Instituto foi, portanto, criado oficialmente em janeiro de 1970, muito embora desde 1966, antes da obrigatoriedade determinada pela legislação, já tivessem se instalado nas novas dependências do Conjunto das Químicas na Cidade Universitária todos os Departamentos, Cadeiras e Disciplinas de Química Básica e Bioquímica e algumas afins, sediados, originalmente, em seis Faculdades distintas.
O novo Estatuto estabeleceu, como órgãos de administração de cada Unidade, a Congregação e a Diretoria e, como órgãos de direção dos Departamentos, o Conselho do Departamento e a Chefia.
Com a vigência do estatuto, o Professor Titular com o maior tempo de serviço como docente titular na USP assumiu interinamente a direção da unidade a que pertencia. Tinha a incumbência, com prazos definidos, de propor os Departamentos a serem criados e distribuir os membros do corpo docente por eles (30 dias), constituir os Conselhos de Departamento que deveriam eleger os Chefes respectivos (45 dias) e constituir a Congregação que iria indicar as listas tríplices para eleger o Diretor e o Vice-Diretor (60 dias).
A organização da nova Unidade
No Instituto de Química, o professor Simão Mathias foi designado “Diretor pró-tempore” para o período de 01/01/1970 a 15/03/1970, com a missão de implantar a nova unidade. Sob a sua direção, decidiu-se pela criação de apenas dois departamentos, o Departamento de Bioquímica (DBQ) e o Departamento de Química Fundamental (DQFL). Assim, a multidisciplinaridade foi um aspecto marcante da criação do Instituto de Química, ao contrário de várias outras unidades, onde a formação dos Institutos encontrou resistência e cada cátedra se convertia em departamento.
Em 15 de janeiro de 1970, o gabinete do Reitor Miguel Reale baixou as Portarias GR 1023 e GR 1024. A primeira designava o elenco de departamentos das unidades, nos quais estavam distribuídas as disciplinas das antigas cátedras. Os dois departamentos do Instituto de Química ficaram constituídos pela reunião das disciplinas discriminadas a seguir:
Departamento de Química Fundamental (QFL)
- Química Geral e Inorgânica (FFCL, FFB, EP)
- Química Orgânica (FFCL, FFB, EP)
- Química Analítica (FFCL, FFB, EP)
- Físico-Química e Química Superior (FFCL, FFB, EP)
- Eletroquímica (EP)
- Laboratório de Espectroscopia (FFCL)
- Laboratório de Produtos Naturais (FAPESP)
- Fitoquímica (FFB)
Departamento de Bioquímica (QBQ)
- Bioquímica (FFCL, FFB, FM, FO, FMV, EE, FHSP)
- Biofísica (FM, FFCL, FMV)
- Microbiologia e Imunologia (FFB)
A outra portaria, GR 1024/70, estipulou a data limite de 27 de janeiro para a distribuição do corpo docente de cada unidade pelos departamentos respectivos. Depois disso, o professor mais graduado e com o maior tempo de serviço no exercício do mais alto grau da carreira docente assumiria, interinamente, a Chefia do Departamento a que pertencia.
A composição inicial do corpo docente dos dois departamentos do Instituto de Química foi oficialmente estabelecida pela Portaria GR 1067/70, de 04/02/1970, e se encontra transcrita na página A9 (seção de Anexos) do livro de Paschoal Senise, disponível no link http://www2.iq.usp.br/fundamental/pdf/LivroIQUSP.pdf
Para a formação do Departamento de Química Fundamental, com 73 docentes, foi preponderante a contribuição do Departamento de Química da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), além de importantes contingentes da Faculdade de Farmácia e Bioquímica (FFB), do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica (EP), do Departamento de Física da FFCL e do Laboratório de Química de Produtos Naturais, criado por iniciativa da FAPESP em 1967. Para integrar o Departamento de Bioquímica, além de um pequeno grupo originário da FFCL, aportaram equipes da Faculdade de Medicina (FM), Faculdade de Farmácia e Bioquímica (FFB), Faculdade de Medicina Veterinária (FMV) e Faculdade de Odontologia (FO), totalizando 49 docentes.
Disposições transitórias do novo estatuto da USP estabeleceram um prazo de 45 dias, a partir de 1o de janeiro, para a constituição dos Conselhos dos Departamentos e a eleição do respectivo Chefe (que seria membro nato da Congregação) e um prazo de 60 dias para a constituição da Congregação e a eleição do Diretor da Unidade.
No Instituto de Química, os professores Simão Mathias do DQFL e Lucio Penna de Carvalho Lima do DBQ foram os Chefes interinos dos respectivos Departamentos. Convocaram eleições para formar os Conselhos Departamentais, os quais se reuniram pela primeira vez, no dia 16 de fevereiro, o de QFL na sala do bloco 4 superior e o de QBQ na sala de aulas teóricas da disciplina de Microbiologia no bloco 9 inferior, sob a presidência dos chefes interinos. Os conselhos elegeram, como chefe e respectivo suplente, Simão Mathias e Ivo Jordan, no Departamento de Química Fundamental, e Francisco Jerônymo Salles Lara e Lucio Penna de Carvalho Lima, no Departamento de Bioquímica.
Passou-se então aos trâmites para constituir a Congregação, dentro do prazo estipulado. Eram membros natos os doze professores titulares da unidade, listados a seguir (com a unidade de origem indicada entre parênteses): Ernesto Giesbrecht (FFCL), Francisco Jerônymo Salles Lara (FFB), Giuseppe Cilento (FFCL), Ivo Jordan (EP), Lucio Penna de Carvalho Lima (FFB), Marcello de Moura Campos (EP), Metry Bacila (FMV), Newton Bernardes (FFB), Oscar Bergstrom Lourenço (EP), Paschoal Senise (FFCL), Paulo de Carvalho Ferreira (FFB) e Simão Mathias (FFCL).
Compunham também a Congregação os representantes e respectivos suplentes das demais categorias docentes, eleitos por seus pares. Foram indicados, na categoria de professores adjuntos: José Ferreira Fernandes (FM) e Ebe Melardi (FFB); na categoria de professores assistentes: Vicente Guilherme Toscano (EP) e José Nicolau (FO); na categoria de assistentes doutores: Ivo Giolito (FFB) e Walter Colli (FM); e na categoria de assistentes: Roberto Rittner Netto (FFCL) e Luiz Carlos Guimarães (EP). Completavam a Congregação dois representantes do corpo discente, Josephina Strano e Matthieu Tubino, com os suplentes Mario Suzuki e Isabel Yuko Konno.
Instalação da Congregação e indicação de Paschoal Senise como primeiro Diretor
A instalação da Congregação se deu no dia 27/02/1970, quando foram eleitas as listas tríplices para o cargo de Diretor (Paschoal Senise, Ivo Jordan e Lucio Penna de Carvalho Lima) e para o de Vice-Diretor (Ernesto Giesbrecht, Ivo Jordan e Francisco Lara). A escolha, feita pelo Reitor Miguel Reale, recaiu em Paschoal Senise (Diretor) e Ernesto Giesbrecht (Vice-Diretor).
Paschoal Senise assumiu a direção do Instituto de Química em 16/03/1970 e seu mandato se estendeu até 15/03/1974. Nesse período, os chefes de departamento foram, na Química Fundamental, Simão Mathias (1970-1972) seguido por Ivo Jordan (1972-1974) e, na Bioquímica, Francisco Jerônymo Salles Lara (1970-1971) sucedido por Giuseppe Cilento (1971-1974).
Os Diretores, Vice-diretores e Chefes dos Departamentos do Instituto de Química e os respectivos mandatos, desde 1970, podem ser consultados, neste Portal, na aba [As pessoas / Gestores].
Os primeiros químicos formados pelo Instituto de Química (1970)
Até 1969, o curso de formação de químicos da USP era responsabilidade do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Com a reforma universitária e a criação dos institutos básicos em 1970, os diplomas de Química da USP passaram a ser expedidos pelo Instituto de Química. Assim, os alunos que concluíram o curso em 1970, embora tenham cursado os anos anteriores matriculados na FFCL, foram os primeiros a receber o diploma pelo Instituto de Química.
Com a mudança para a Cidade Universitária em 1966, foi possível aumentar o número de vagas do curso de Química de 25 para 40 e depois para 60, resultando em turmas maiores, mas poucos conseguiam completar os estudos nos quatro anos regulamentares.
Credenciamento da Pós-Graduação e desenvolvimento da pesquisa no Instituto de Química
Os programas de pós-graduação do IQ-USP foram criados em 1970, contemplando Mestrado Acadêmico e Doutorado em Química (nas áreas de concentração de Físico-Química, Química Analítica, Química Inorgânica e Química Orgânica) e em Bioquímica. A pós-graduação pôde ser estruturada rapidamente quando o Instituto foi implantado, devido à tradição de pesquisa já existente nas unidades de origem e ao aproveitamento mais racional do potencial humano. Um papel fundamental para a integração e o desenvolvimento da unidade foi reservado à Biblioteca do Conjunto das Químicas, referência nacional em Química, que teve sua origem em 1965 pela reunião dos acervos bibliográficos dos setores formadores do Instituto.
Ambos os departamentos foram reconhecidos pelo CNPq como Centros de Excelência ainda em 1970 e escolhidos para atuar como tais no âmbito dos Programas Multinacionais da Organização dos Estados Americanos (OEA), de Química e Bioquímica, sob a coordenação de Ernesto Giesbrecht e Francisco Lara, respectivamente. Esses programas visavam ao treinamento em nível de pós-graduação de pessoal proveniente de países membros da OEA, a vinda de professores do exterior para ministrar cursos de pós-graduação e a organização de eventos científicos, como ocorreu com o V Seminário Latino-americano de Química, em 1972, do qual participaram Ernst Otto Fisher, Prêmio Nobel de Química (1973), da Alemanha, V. Gutmann, da Austria, e Stanley Kirschner e J. C. Baylar Jr., dos Estados Unidos.
Muito importantes para a consolidação da pós-graduação no IQ foram também dois programas do início dos anos 1970: BIOQ/FAPESP e CNPq/NAS (EUA).
O projeto BIOQ/FAPESP, elaborado em fins de 1969 sob a coordenação de Francisco Lara, contribuiu decisivamente para impor ao Departamento de Bioquímica sua face atual. Jovens doutores passaram a receber financiamento direto e as decisões eram tomadas coletivamente. Novas linhas de pesquisa independentes foram desenvolvidas e a cobrança de produção científica impôs padrão uniforme. Caracterizou-se pelo rigor na avaliação dos projetos de pesquisa e funcionou com acompanhamento de assessores internacionais de alto nível, um deles Prêmio Nobel. Teve duração de oito anos. Através desse programa, foi possível conseguir a renovação do equipamento e engajar na pesquisa uma nova geração de pesquisadores, catalisando o surgimento de novas lideranças.
O programa CNPq/NAS, idealizado por Carl Djerassi, da Universidade de Stanford, e coordenado no Instituto de Química por Paschoal Senise, foi patrocinado pelo Conselho Nacional de Pesquisa em conjunto com a National Academy of Sciences (Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos), no período 1970-1976. Alguns dos mais eminentes cientistas no campo da Química, de universidades norte-americanas, associaram-se a pesquisadores brasileiros mantendo como elementos de ligação pesquisadores jovens (Fellows) que, em sua maioria, permaneceram de dois a três anos no Brasil. Seis projetos tiveram desenvolvimento no Departamento de Química Fundamental do Instituto, possibilitando a implantação de linhas novas de pesquisa em campos de grande atualidade. Participaram cientistas de renome como Henry Taube (futuro prêmio Nobel de Química), Carl Djerassi, Fred Anson, Russell Bonham, George Hammond e Aron Kupperman, entre outros. Alguns dos jovens cientistas, por eles trazidos, foram Dick Weiss, John Michael Malin, Frank Quina, Tim Brockson e Edward Dockal. Os três últimos referidos fixaram-se definitivamente no país.
Em 21/08/1970 já ocorria a primeira defesa de dissertação de Mestrado em Química pelo IQ, a de Luiz Sergio Pontes Braga. A banca examinadora foi composta por Ernesto Giesbrecht (orientador), Geraldo Vicentini e Paschoal Senise.
O primeiro Doutor em Química do IQ foi Gilberto Fernandes de Sá, que defendeu tese em 03/08/1972, perante a banca: Ernesto Giesbrecht (orientador), John Michael Malin, Geraldo Vicentini, Klaus Zinner e Franco Levi. Participou da orientação da tese de Gilberto, Larry Clark Thompson, da Universidade de Minnesota, Duluth, professor visitante com contrato pela Fundação Ford.
No Departamento de Bioquímica, o primeiro Mestre foi Nelson Marques que defendeu seu mestrado em 16/06/1972, perante uma banca constituída por Francisco Jerônymo Salles Lara (orientador), Rogério Meneghini e André Luiz Perondini. O primeiro Doutor, Odécio Cáceres, defendeu tese em 17/12/1973, perante a banca José Ferreira Fernandes (orientador), Metry Bacila, Walter Colli, Erney Felicio Plessmann de Camargo e Mário E. Camargo.
Em 1973, os Programas de Pós-Graduação em Química e Bioquímica do Instituto de Química foram credenciados pelo Conselho Federal de Educação. Desde o início, eles receberam as melhores notas pelo sistema CAPES de avaliação periódica da pós-graduação no país.
Nos anos 1970 o desenvolvimento da pesquisa no recém-criado instituto recebia, pois, um impulso vigoroso, com o credenciamento da pós-graduação, a organização de congressos nacionais e internacionais e a estreita colaboração com cientistas internacionalmente conhecidos. O Instituto de Química, com os seus dois departamentos, o de Química Fundamental, formado por químicos, farmacêuticos, engenheiros e físicos, e o de Bioquímica, reunindo médicos, químicos, biólogos, farmacêuticos, veterinários e odontólogos, iniciava a sua trajetória rumo ao crescimento e sucesso atual. O IQUSP beneficiou-se sensivelmente da interdisciplinaridade e o seu sucesso deve-se ao fato de que, a despeito das diferentes origens, suas lideranças estavam e estão imbuídas de iguais propósitos. É indubitável, no que concerne ao IQUSP, que a reforma universitária de 1970, criando os Institutos Básicos, promoveu resultados altamente positivos, que foram enfatizados na cerimônia de comemoração dos 50 anos da instalação do Instituto de Química.
Referências
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SENISE, P. O impacto do acordo CNPq/NAS na evolução da química no Brasil. Química Nova, v.30, n.6, p.1397-1399, 2007.
TOMA, H.E.; VIERTLER, H.; MARZORATI, L.; COLLI, W., orgs. O Instituto de Química da Universidade de São Paulo: ensino, pesquisa e desenvolvimento, 1970-1986. São Paulo: Instituto de Química, 1987. 213p.
Página da Associação de Ex-Alunos do IQ, Histórico do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, 2004.